Será esta a tão procurada ‘Partícula de Deus’?

29-10-2012 16:31

 

Investigadores debatem últimas descobertas em relação ao bosão de Higgs

Um dos grandes avanços científicos anunciados este ano foi a descoberta de uma nova partícula consistente com o tão procurado bosão de Higgs através dos dados obtidos no LHC, acelerador de partículas instalado a 100 metros de profundidade na fronteira Franco-Suíça.

 

Conhecido como a ‘partícula de Deus’, o bosão de Higgs é a única das 32 partículas fundamentais do universo previstas pelo Modelo Padrão da Física e pode ser fundamental para percebermos por que existe matéria tal como a conhecemos.

Ainda assim, o bosão de Higgs levanta muitas questões na sociedade em geral: Para que serve? Que valor tem? Foi mesmo o bosão de Higgs a partícula descoberta? Será esta a peça em falta no puzzle da Física de Partículas?

Tentando responder a algumas delas, vários investigadores portugueses, professores, empresários e membros do Parlamento reuniram-se ontem, na Assembleia da República, para um «Café de Ciência». Durante este 7º encontro organizado pela Ciência Viva debateu-se também o papel da investigação fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias e na formação de recursos humanos qualificados a propósito dos recentes desenvolvimentos no CERN.
 



Passo gigante na ciência

A descoberta do bosão de Higgs “foi um passo gigante na ciência mas não deixa de ser apenas um passo, há muitas outras coisas na ciência, nomeadamente na física, que ainda não se sabem, como por exemplo em relação à matéria ou energia escura que não sabemos o que sejam”, afirmou João Varela, investigador do LIP. Mas, sublinhou o também vice-director da experiência CMS e ATLAS, “este foi um passo importante porque se tratava de um elemento em falta no modelo da teoria actual da física das partículas e é aquilo que nos permite hoje ter uma visão integrada de um dos grandes sucessos da ciência no século XX”.
 
Em relação à questão das aplicações práticas da descoberta do bosão de Higgs e para que serve esta partícula, João Varela disse que “não se conhecem”. No entanto, segundo o cientista há imensas tecnologias que foram desenvolvidas durante o processo da descoberta que encontrarão aplicações em múltiplas noutras áreas. “As teorias e os modelos físicos podem parecer isotéricos num determinado momento, passado 100 anos não são isotéricos, as pessoas habituaram-se a eles. Hoje ninguém se preocupa em saber se a teoria quântica é isotérica ou não mas a verdade é que sem a teoria quântica nada do mundo tecnológico de hoje existia, não existiam computadores, telemóveis, ipads, etc”, afirmou. “O Homem não vive só de bens materiais, vive de cultura e ciência é cultura”, acrescentou.

Segundo João Seixas, professor do Instituto Superior Técnico, “o CERN faz o seu estudo e a certa altura diz que a probabilidade de termos encontrado uma partícula é de 99.9 por cento. Nessa altura então dizemos que descobrimos a partícula, pois temos todas as indicações de que assim o é”. Agora, em relação ao tipo de partícula descoberta “temos ainda dúvidas”, sublinhou o também investigador do CERN. “Penso que, neste momento, a tarefa principal dos físicos é perceber exactamente o que descobrimos porque sabemos que está lá uma partícula mas não conhecemos todas as suas propriedades”. Assim, “temos que encontrar quais as propriedades dessa partícula para termos a certeza que é o bosão de Higgs. Na realidade, essa partícula podia ser um gravitão”, explicou.
 
 

Valor de mercado

Quando toca a descobertas científicas, a sociedade procura sempre saber o valor de mercado que estas têm e aquilo que custou para alcançá-las. A construção do LHC, que demorou cerca de 12 anos, custou cada europeu um euro por ano. Parece um investimento é relativamente pequeno no que toca ao que se poderá ganhar com o mesmo. Mas, no momento, o que se pode dizer em relação ao bosão de Higgs em si, é que não tem valor de mercado.
 
Portugal no CERN
80 milhões de euros de retorno industrial entre 2000 e 2011

4.º país fornecedor de bens

80 instituições envolvidas: Laboratórios Associados, Universidades, Laboratórios do Estado e Empresas

172 engenheiros em estágios tecnológicos entre 1996 e 2011

183 investigadores doutorados em Física de Altas Energias

218 professores do ensino básico e secundário no CERN

1700 estudantes do ensino secundário em Masterclasses
“Os conhecimentos ligados ao bosão de Higgs, em geral ao modelo de partículas, podem ser de incorporados em bens ou serviços para que esses, uma vez colocados no mercado, tenham vantagem competitiva sobre outros bens e serviços”, referiu Paulo Sá, investigador da Universidade do Algarve. No entanto, “estamos a muitas décadas ou séculos do bosão de Higgs poder ter alguma aplicação prática concreta e portanto podemos dizer que o valor de mercado do bosão de Higgs é nulo. E nos tempos que correm isto é um perigo porque pode-se associar investigação fundamental, como por exemplo esta produzida na área das partículas, a algo que não tem valor de mercado, que não é prioritário e que pode ser colocado ‘na gaveta’”, alertou.

Mais de uma centena de investigadores de diferentes universidades portuguesas participa no projecto do LHC. Para além da investigação científica, a equipa esteve envolvida no desenvolvimento dos detectores e dos sistemas de aquisição e processamento de dados. Portugal é o 4º país no ranking dos fornecedores de bens e obteve o maior contracto de serviços atribuído a um estado membro. O controlo de qualidade, os sistemas e cablagens eléctricas e os tanques de hélio líquido para arrefecimento do maior acelerador de partículas do mundo têm assim mão portuguesa.

 

Fonte/Adaptado de: Ciência Hoje