Universidade de Aveiro descobre compostos cancerígenos no pó das casas

01-02-2013 22:32

 

Ana Sousa, investigadora da UA, recomenda limpar e aspirar mais vezes a casa

Uma equipa do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (UA), liderada por Ana Sousa, analisou o pó acumulado pelos aspiradores domésticos de 27 habitações distribuídas pelas cidades de Aveiro e Coimbra. A investigação descobriu níveis preocupantes para a saúde humana de compostos orgânicos de estanho.

 

Os compostos orgânicos de estanho são usados normalmente em tintas para cobrir cascos dos navios, em papel de parede, silicones, PVC’s, roupas, brinquedos e outros produtos. Estes compostos “estão descritos, através de experiências realizadas em animais de laboratório, como sendo carcinogénicos [induzem o aparecimento de cancro], como tendo efeitos ao nível do sistema imunológico, potenciando, por exemplo, a prevalência de alergias e o aniquilamento as células NK, a primeira linha de defesa do nosso organismo, e como sendo promotores da obesidade”, explica Ana Sousa.


O estudo destes compostos começa com o doutoramento de Ana Sousa, bióloga. A utilização generalizada de tintas, para pintura dos cascos, com um dos compostos orgânicos de estanho, o tributilestanho, fez com que este composto fosse introduzido no ambiente aquático numa escala sem precedentes o que levou à contaminação global dos oceanos.


Perante este facto, Ana Sousa quis avaliar os efeitos nefastos deste composto no mundo marítimo. “Durante o meu doutoramento descrevemos os níveis destes compostos na zona Costeira Portuguesa usando sempre como espécies indicadoras invertebrados marinhos, como por exemplo mexilhão e búzios”, pormenoriza a investigadora.

 

 

Neste trabalho, verificou que “algumas espécies de búzios, ao serem expostas a este composto exibem imposexo, um fenómeno bizarro caracterizado pelo aparecimento de um pénis nas fêmeas, o que nalguns casos levou à extinção local de populações”, conta Ana Sousa.


Depois de alguns anos dedicada ao estudo destes compostos orgânicos, apercebeu-se que também o Ser Humano estava exposto a eles. Assim começa a investigação no pó das habitações.


Foi neste sentido que formatei o meu plano de pós-doutoramento, para descrever os níveis a que a população está exposta. Sem sabermos se de facto estamos expostos, não podemos nunca dizer, por exemplo, que a prevalência de uma certa patologia está associada a estes contaminantes ambientais”, explica a investigadora.


Tal como a investigação nos búzios, também esta análise ao pó está a decorrer no Center for Marine Environmental Studies (CMES), na Universidade de Ehime no Japão. Ana Sousa explica porquê: “Primeiro prende-se com o facto do meu pós-doutoramento envolver duas instituições portuguesas (Universidade de Aveiro e Universidade da Beira Interior) e a instituição japonesa mencionada. Em segundo lugar tem a ver com as especificidades da técnica analítica. No CMES consigo analisar vários grupos de compostos orgânicos de estanho incluindo aqueles com maior importância no pó doméstico. Lá já temos a técnica optimizada e validada para este tipo de matrizes”.


O trabalho de investigação vai continuar. A equipa liderada por Ana Sousa está interessada em mais contaminantes ambientais “Temos vários colegas que estão a quantificar nas nossas amostras outros contaminantes como por exemplo os retardantes de chama e metais. Mas como o pó é só uma das vias de exposição estamos também a estudar a nossa dieta”, explica a entrevista.


O estudo está agora a ser alargado para se poder descrever a exposição a estes compostos numa amostra representativa da população da Beira Interior. “A amostragem nesta região deve começar ainda este ano”, acrescenta a investigadora.

 



Exposição aos compostos é inevitável

O desgaste dos materiais liberta os compostos orgânicos de estanho. O pó funciona como um concentrador desses compostos. Além dos materiais usados no quotidiano, como roupa e brinquedos, o Homem está exposto aos compostos orgânicos também através da água que consumimos que é canalisada em tubos de PVC e também na água do mar.


No oceano verifica-se uma diminuição de compostos orgânicos de estanho, embora ainda há níveis altos na comida vinda da água. Isto acontece porque, até 2008 era permitido que os cascos das embarcações fossem pintados com tintas com compostos orgânicos que preveniam a adesão de organismos.


“Somando tudo, podemos estar a ser sujeitos à ingestão de altos valores de compostos orgânicos de estanho”, alerta Ana Sousa. A  bióloga sublinha que “em termos epidemiológicos, não há nenhum estudo que nos diga o que está a acontecer à população por causa destes compostos. E é preciso que o saibamos”.


Os compostos orgânicos são pois difíceis de evitar, mas Ana Sousa recomenda “limpar e aspirar mais vezes a casa e evitar alcatifas”.

 

Fonte: Ciência Hoje