O zero absoluto não é assim tão absoluto...

06-01-2013 17:34

O zero absoluto é muitas vezes considerada a temperatura mais baixa possível. Mas agora investigadores mostram que podem alcançar temperauras ainda mais baixas, levando as coisas para um estranho reino de "temperaturas negativas."
Curiosamente, uma outra maneira de olhar para estas temperaturas negativas é considerá-los mais quente do que o infinito, acrescentaram os investigadores.
Este avanço incomum poderia levar a novos motores que, teoricamente, poderiam ter uma eficiência energética superior a 100%, e lançar luz sobre mistérios, como a energia escura, a misteriosa substância que aparentemente é responsável pela expansão do Universo.

A temperatura de um objecto é uma medida do movimento dos seus átomos- quanto mais frio o objecto, mais lentamente os seus átomos se movem. Na, fisicamente impossível de atingir, temperatura de zero kelvin, ou menos 459,67 graus Fahrenheit (menos 273,15 graus Celsius), os átomos parariam de se movimentar. Como tal, nada pode(ria) ser mais frio do que o zero absoluto, na escala Kelvin.

 

Temperaturas negativas bizarras

Para compreender as temperaturas negativas agora detectadas, poder-se-ia pensar na temperatura como tendo uma escala cíclica, não linear. As temperaturas positivas farão parte de uma das metades do ciclo, enquanto as temperaturas negativas se encontram na metade restante. Assim, quando as temperaturas vão para valores abaixo de zero ou acima do infinito na escala positiva, acabam em território negativo. Estranho, não é?

Quando consideramos as temperaturas positivas, os átomos têm uma maior probabilidade de ocupar os níveis de menor energia, um comportamento conhecido em física como a Distribuição de Boltzmann. Quando um objecto é aquecido, os seus átomos podem atingir estados energéticos mais elevados.

No Zero Absoluto os átomos ocupariam o estado energético mais baixo possível. A uma temperatura (teórica) infinita. os átomos ocupariam todos os estados energéticos. As temperaturas negativas são, deste modo, o oposto das positivas, no sentido em que, nas primeiras, os átomos ocupam preferencialmente os estados energéticos mais altos.

"A distribuição de Boltzmann invertida é a marca registrada de temperatura absoluta negativa, e é isso que temos alcançado", disse o investigador Ulrich Schneider, físico da Universidade de Munique, na Alemanha. "No entanto, o gás não é mais frio do que zero kelvin, mas mais quente, é ainda mais quente do que qualquer temperatura positiva. A escala de temperatura simplesmente não termina no infinito, mas salta para valores negativos."

Como se poderia esperar, os objetos com temperaturas negativas comportam-se de formas muito estranhas. Por exemplo, a energia flui tipicamente de objetos com uma temperatura positiva mais alta para outros com uma temperatura positiva mais baixa - isto é, os objetos mais quentes aquecem objetos mais frios, e objetos mais frios arrefecem os mais quentes, até atingirem uma temperatura comum. No entanto, a energia fluirá sempre de objectos com temperatura negativa para outros com temperaturas positivas. Neste sentido, os objectos com temperaturas negativas estão mais quentes do que aqueles com temperaturas positivas.

Outra consequência inesperada das temperaturas negativas tem a ver com a entropia, que é uma medida da desordem de um sistema. Quando os objetos com temperatura positiva libertam energia, a entropia do meio circundante aumenta, tornando-o mais caótico. No entanto, quando objetos com temperaturas negativas libertam energia, podem, de facto, absorver entropia.

Temperaturas negativas seriam consideradas impossíveis, uma vez que geralmente não há limite superior para a quantidade de energia armazenada num átomo, de acordo com o que a teoria sugere actualmente. (Há um limite para a velocidade a que eles podem viajar - de acordo com a teoria da relatividade de Einstein, nada pode acelerar a velocidades mais rápidas que a luz.)

 

Uma experiência de física marada

Para gerarem temperaturas negativas os cientistas criaram um sistema no qual os átomos têm realmente um limite para a energia que podem possuir. Começaram por arrefecer cerca de 100.000 átomos de potássio a uma temperatura (positiva) de apenas alguns nanokelvin. Este arrefecimento foi feito numa câmara de ultra-vácuo, de forma a evitar quaisquer interacções que pudessem falsear os resultados, ao promoverem o aquecimento da amostra. Usaram ainda uma rede de raios laser e canpos magnéticos para um controlo preciso do comportamento destes átomos, de forma a poder "empurrá-los" para o novo reino da temperatura super-negativa.

"As temperaturas atingidas são da ordem do nanokelvin negativo", afirmou Schneider.

A temperatura depende de quanto os átomos se movem, ou seja, da sua energia cinética. A rede de raios laser criou uma matriz perfeitamente ordenada de milhões de pequenos pontos de luz e nesta rede óptica os átomos apresentavam ainda movimento, ainda que a sua energia cinética fosse baixa.

A temperatura depende ainda da energia potencial dos átomos e da quantidade de energia envolvida nas interacções entre os átomos. Os investigadores usaram a rede óptica para limitar a energia potencial dos átomos e campos magnéticos, com vista a um controlo apurado das interacções entre os mesmos, tornando-os atractivos ou repulsivos. 

A temperatura está, ainda, associada à pressão. Quanto mais quente, maior a tendência para se expandir. Para assegurar que o gás tinha uma temperatura negativa, os investigadores submeteram-no igualmente a uma pressão negativa, fazendo com que os átomos se atraíssem.

"Nós criamos o primeiro estado de temperatura negativa absoluta para partículas em movimento", disse o investigadorSimon Braun, da Universidade de Munique, na Alemanha.

 

Novos tipos de motores

Temperaturas abaixo do zero absoluto poderiam permitir criar motores que convertem a energia térmica em energia mecânica com uma eficiência superior a 100%, algo aparentemente impossível. Tais motores iriam absorver energia não apenas de substâncias mais quentes mas também de substâncias mais frias. 

Estas temperaturas poderiam ainda ajudar a esclarecer outros grandes mistérios do Universo. Os cientistas, com base apenas na força da gravidade, esperariam que a expansão do Universo desacelerasse, ou mesmo parasse ou se revertesse, levando ao que designam de Big-Crunch. No entanto tal não se verifica e a expansão do Universo está, até ver, a acelerar. Este fenómeno é atribuído ao efeito da energia escura, a qual compõe, segunda se pensa, cerca de 70% do Cosmos. De forma algo similar, a pressão negativa a que este gás é submetido deveria levar ao seu colapso, o que é evitado pela temperatura negativa. Assim, estas temperaturas poderiam ter um curioso paralelismo com a energia escura, o que poderia ajudar os cientistas a desvendar este enigma.

As temperaturas negativas poderiam, ainda trazer alguma luz relativamente aos estados exóticos da matéria, permitindo gerar sistemas que não seriam estáveis sem essas temperaturas. "Uma melhor compreensão da temperatura poderia até levar à descoberta de coisas sobre as quais nem sequer pensámos até agora", afirmou Schneider. "Quando estudamos o básico de uma forma aprofundada, nunca sabemos onde podemos acabar".

 
Os investigadores publicaram as suas descobertas na revista Science de Janeiro de 2013 (ver referência abaixo).
 
 
 
 
 
 
 
Informação adicional:
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando um objeto é aquecido, os seus átomos podem mover-se com diferentes níveis de energia, de um máximo a um mínimo. Com temperaturas positivas (azul), é mais provável que os átomos ocupem os níveis de mais baixo consumo de energia do que os estados de mais alta energia estados, enquanto que o oposto é verdadeiro para temperaturas negativas (vermelho).
CRÉDITO: Imagem cedida LMU / Munique MPQ