Software da UA pode trazer de volta o polígrafo

13-04-2012 12:29
Nova tecnologia permite análise automática e mais objectiva dos sinais captados

 

Investigadores da Universidade de Aveiro (UA) desenvolveram um algoritmo que poderá reabilitar o papel do polígrafo enquanto procedimento complementar na investigação criminal.

Em vez de ser um técnico a fazer a leitura dos sinais captados pelo polígrafo e a apontar os momentos onde o interrogado terá mentido, esse veredicto será dado pelo inovador software, ao qual chegam os sinais emitidos pelo equipamento. 

 

 

Este software foi desenvolvido para “permitir uma análise e processamento dos dados recolhidos sem escolha por parte do observador” pois habitualmente “o que se faz é o investigador olhar para os sinais e tomar um conjunto de decisões à medida que os vai analisado”, afirma Carlos Fernandes ao Ciência Hoje. Assim, com o novo algoritmo “definiram-se uma série de critérios que são analisados automaticamente” pelo software. No fundo, a ideia é “tentar reduzir a intervenção subjectiva do observador”, refere o docente do Departamento de Educação da UA.

A criação deste software surge na sequência de um projecto de vem sendo realizado desde há cinco anos pela UA, em colaboração com a Universidade da Beira Interior e a Universidade de Coimbra. O objectivo é “desmistificar todo um conjunto de crenças que existe não só na população em geral como nos profissionais ligados à investigação criminal e à justiça acerca do que são os sinais típicos de uma mentira”, descreve Carlos Fernandes.

Segundo o psicólogo, “as pessoas acham que quando uma pessoa desvia o olhar face a uma pergunta este é um sinal indicador de mentira. O que a investigação científica mostra é que isso não é verdade. Mesmo um sujeito sendo inocente pode desviar o olhar e fá-lo com a mesma frequência com que fazem os sujeitos que estão a mentir”.

Com isto, o especialista sublinha que não acredita no poder do polígrafo para detectar a mentira, mesmo com as taxas de sucesso que tem tido nas experiências onde tem apresentado uma margem de erro de quase 20 por cento. O polígrafo “não deve ser mais do que um dos procedimentos de recolha de dados”, afirma. “A tudo aquilo que faz parte da investigação criminal corrente deve ser anexado o polígrafo como mais um dado”, acrescenta.

Assim, mesmo com o novo software, o investigador alerta que “o polígrafo não deve ter a importância que as pessoas lhe querem dar pois isso levanta problemas éticos muito importantes”.

 
Em Portugal, o Sistema de Justiça não utiliza o polígrafo e há uma apreensão “muito grande” por parte da legislação portuguesa, que “é compreensível dados os abusos que se cometeram” no passado noutros países.

No entanto, se um dia o poligrafo vier a ser reabilitado como mais um procedimento entre outros para a investigação criminal “será muito importante” nessa altura que pudesse ter um software de análise automático.

“Compreendemos as reservas do Sistema de Justiça português em relação ao polígrafo, e concordo com as reservas, mas não percebo como se torna uma prova ‘rainha’ cuja investigação científica em todo o mundo revela que tem uma taxa de erro de 70 por cento, que é a identificação de suspeitos por testemunho visual”, diz Carlos Fernandes.

Escolha uma carta

O software inventado pelos investigadores da UA ainda não pode ser posto em prática porque ainda não foi ensaiado para uma entrevista corrente. “O que fizemos foi testar a eficácia e a experiência foi muito simples, sem qualquer envolvimento emocional”, sublinha o cientista.

Nas experiências, foi usado um grupo de voluntários a quem se pediu que escolhesse uma carta de um baralho. Posteriormente, e já ligados ao polígrafo, os sujeitos observaram todas as cartas apresentadas aleatoriamente em ecrã de computador e tiveram que dizer ‘não’ a todas elas, incluindo a que escolheram previamente, face à pergunta: «Foi esta a carta que escolheu?». A partir dos sinais recolhidos pelo polígrafo, o algoritmo identificou a carta escolhida em 82 por cento dos casos.

Uma vez que os voluntários sujeitos às perguntas dos investigadores não estavam sob pressão emocional, Carlos Fernandes refere que com indivíduos debaixo de um interrogatório policial essa taxa de acerto do software aumente para valores ainda mais altos.

Neste momento, os investigadores estão a estudar mais sinais não-verbais, como o movimento das mãos, o pestanejar, etc. para atingir “maior precisão” nos resultados.
 
 
Fonte/Adaptado de: Ciência Hoje